quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Crônica para uma desconhecida

As últimas semanas tem sido conturbadas. Algumas (in)decisões cruéis e aquelas tempestades absurdas por um vento que você (julga) muito fraco. Fora as obrigações, o trabalho, o Teatro, o vestibular, enfim. Eu precisava de um pouco de ar fresco e essa lufada de alívio veio na forma de uma desconhecida.

Estava pegando o trem, meu Kindle ali, exibindo as peripécias de Lisbeth Salander, quando uma menina sentou-se ao meu lado. “Bonito o seu Kindle”.

Agradeci, meio surpreso, meio sem graça. Ela continuou. “Tenho um também, ficou em casa. O que você tá lendo?”

Respondi, “A Rainha do Castelo de Ar, do Stieg Larsson”. Ela sorriu, mexeu na bolsa e tirou um Julio Verne. Viagem ao Centro da Terra.

Ela mostrou o livro na inocência, sem aquela vontade de parecer alguém melhor só porque lê um clássico. Foi minha vez de sorrir.

Continuamos falando bobagens por alguns minutos, até que eu me calei, olhei pro Kindle aberto. Ela não se importou, continuou falando e agitando as mãos. Falou meio que sua mãe não deixava ela ver “Os homens que não amavam as mulheres”, mas que ela não ia mais ligar porque já tinha dezoito anos e já prestava seus vestibulares. “Inclusive estou indo pra um agora.”

Perguntei qual o curso, qual faculdade. Ela respondeu, numa boa, um simples “Ah, tô na segunda fase da FGV.”

Não tinha ideia de como era esse vestibular. Ela explicou dizendo que essa etapa era composta por uma prova oral. “Me deram uma lista enorme de livros e documentários pra ler. Maior até que a da Fuvest, do ENEM, da Puc…”

“Você fez esses todos?”, surpreso, perguntei o óbvio. 

“Sim! E não sei se vou passar em algum. Tomara que eu consiga a bolsa na FGV. Uma bolsa deles não é de se jogar fora.”

Nós conversamos um pouco mais, até que precisei avisá-la que já estávamos em Pinheiros e que ela precisava saltar. “Nossa, já chegamos? Mas foi muito rápido!”

E foi mesmo. Ela desceu, e toda atrapalhada, subiu as escadas rolantes. Fiquei observando-a até que o trem lembrou que precisava prosseguir. Agradeci mentalmente ao maquinista pelos segundos a mais que me permitiu observar a nova amiga, que aliás, não disse seu nome, assim como eu não disse o meu.

E isso foi muito legal. Conversamos como amigos de muito tempo, sem preocupações. Não flertamos, não existiu presunção de nenhum lado. Foi uma conversa tranquila, saudável, revigorante. Exatamente o que eu precisava depois de tantos dias vivendo numa panela de pressão.


Querida desconhecida amiga, muito obrigado pela conversa. Na remota possibilidade de você ler esse texto em algum lugar, saiba que estou torcendo por você. Tomara que seja aprovada, em todos esses vestibulares da vida.