quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O Sebo Metafórico


Não é a escuridão, não é a dor e o sofrimento. É a indiferença e a monotonia as piores coisas que alguém pode notar.

Eu estava num dos corredores empoeirados do Sebo da minha mente, folheando meus livros desesperadamente procurando um personagem que não fosse igual, que não quisesse ser bonito ou popular, que não quisesse fixar as coisas e não ficasse me enchendo a cabeça de ideias efêmeras como bolhas de sabão.

Fiquei folheando estes livros por tempo demais, nem percebi que tinha escurecido. Eu estava coberta de poeira dos mais velhos livros, e não tinha encontrado nada entre meus personagens. Resolvi sair.

As luzes do Sebo estavam apagadas como se tivesse fechado a anos. Enquanto eu caminhava pelos longos corredores cheios de prateleiras caindo aos pedaços junto aos livros, eu mesma via pedaços meus caindo no caminho, um braço ficou pendurado na seção de medicina veterinária e com toda aquela escuridão me empurrando para fora, eu mal conseguia raciocinar.

A porta de vidro do Sebo ia ficando longe conforme eu aumentava meus passos. As poucas luzes que vinham de fora iluminava os livros raros que ficava nas prateleiras mais altas e assim que eu me aproximava da porta, assim os livros de cima caiam sobre mim, em protesto.

De repente, eu vi que todos os livros estavam revoltados com minha ida. Eles se abriam e se folheavam rapidamente com minhas histórias dentro deles, meus amores, minhas decepções, minhas centenas de aventuras e algumas poucas lágrimas.
Definitivamente, eu não tinha mais interesse por aquelas histórias velhas. Então a chuva de livros suicidas se intensificou.

Um livro de capa dura atingiu meu rosto enviesado e o tingiu de roxo. Um outro caiu de quina sobre minha coxa e contraiu alguns musculos, retardando meu próximo passo. A maioria caía com a parte plana e não machucava. Eu corri, a porta ainda longe como deveria de ser e as luzes do lado de fora se intensificando mais ainda. Talvez fosse o sol.
Eu alcancei a porta do momento em que um livro fino e duro vinha em direção ao meu pescoço, como um bumerangue. A porta se abriu e eu escorreguei para fora.

O Largo era bonito a minha frente. Havia uma banca de jornal-café-floricultura com bancos de madeira espalhados por uma bonita praça rodeada por ônibus. Era manhã, iluminada, fresca, urbana e delicada. Eu estava apaixonada.





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