domingo, 5 de maio de 2013

Velhice

Foi tudo bem simples, foi fácil de entender.
Um dia, ela ia passando pela catraca do ônibus e o viu todo enrolado em sacolas, confuso e atrapalhado no fundo do ônibus. Foi assim, rápido, se apaixonaram ali mesmo, meio dúzia de trocas de olhares, um meio sorriso coberto de barba, um sorrisinho delicado mostrando a covinha e passaram a se falar todos os dias. Foi simples como uma música do Soulstripper.


Logo os amigos se aproximaram do simpático casal, ela loura, ele moreno. Ela gorda, ele magrelo. Era simpático sim, vá lá. Cinema, pipoca, praia, pesca, almoço com família, churrasco com os amigos, casamento do irmão dela, velório do tio dele... Normal demais. 


Então casaram. Ela linda de véu e grinalda, buquê de rosas amarelas na mão, os olhos brilhando como uma bijuteria recém adquirida, as mãos trêmulas vindo na direção do altar.


Foram para Porto Seguro na lua-de-mel, começaram a ser felizes de verdade. Compraram uma casa, um quintal pequeno com um espaço gramado que podiam manter a árvore de camélia que florescia todo ano. Ela ficou grávida, teve uma filha loura como ela, magrela como ele. 


Só que aí... um dia ela olhou para o rosto dele. Havia acabado de acordar, estavam no banheiro. De repente ela o achou diferente. Não sabia exatamente o que era, mas estava com uma expressão cansada, entediada. Vários dias passaram, vários meses depois, ele permanecia com aquela expressão de cansaço crescente na face. Então ela insistiu em levá-lo ao médico para um check-up, só que ele tinha um estado perfeito de saúde, nem mesmo problema de visão. Aquilo a incomodava, e o pior é que só ia aumentando.

Passaram-se anos, a menina já estava crescendo, e a expressão de cansaço no rosto dele ia ficando mais presente, mais marcante. Ela continuava sempre linda, sorridente, o rosto redondo com a pele esticada da juventude, mas ele, já juntava uma quantidade considerável de dobraduras minúsculas ao redor dos olhos. Ela não sabia lidar com aquilo. Talvez fosse alguma deficiência hereditária da família dele, assim como a calvície.
Foi então que já muito tempo passado, receberam o convite de casamento de sua filha com um outro rapaz. Seria uma enorme felicidade ver sua filha se casar, assim como fora consigo. Ela ainda estava linda como no dia do casamento. Mas seu marido não era nem a sombra de quem um dia ela encontrou atordoado no fundo de um ônibus. 


Perguntaram na festa se ele era seu pai... E então tudo mudou. Depois daquele dia ela passou a pesquisar sobre o que poderia estar se abatendo sobre seu marido, não foi nada fácil pra ela diagnosticar a causa. Se divorciaram, sua mãe lhe dizia "Você é louca, abandonar seu marido depois de tanto tempo", mas ela não sabia lidar com aquele tipo de problema. 

Algum tempo depois, sua filha ao visitá-la, perguntou porque ela quis se divorciar. Ela olhou para dentro de si mesma, questionando se poderia contar a filha qual era o problema que seu pai tinha. Resolveu contar o que tinha descoberto, que o problema de seu pai se chamava velhice e que não tinha cura. Então suspirou e disse "Eu espero que ele nunca descubra pois isso acabaria com ele". 


Um comentário:

  1. Primeira postagem da Dih Teixeira, e tenho que dizer, é ótima! Fiquei agora com dúvidas, o que quer dizer que o texto teve efeito em mim! Além da velhice como a consequência da passagem do tempo, em quais outros aspectos ele envelheceu? Mentalmente? Espiritualmente? E o quanto isso "pôde" afetar a esposa, a ponto de fazê-la deixá-lo depois de tantos anos?
    Parabéns Dih...começo maravilhoso :D

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